Margareth Mee:"Sei que a minha morte não significará o fim do meu trabalho. Onde quer que esteja, tentarei influenciar aqueles que estão a destruir o planeta para que dêem à natureza uma hipótese de sobreviver".
Margareth Mee Fonte: https://simplesmenteartes.com.br/
Margareth Úrsula Mee (1909 / 1988). Margareth ou Peggy, como a família a chamava, sempre teve orgulho das origens, filha de George John Henderson Brown e Elizabeth Isabella Churman, tinha três irmãos, John , Isabel e Cath Brown. Margareth Úrsula Brown, nasceu a 22 de Maio de 1909, em Cresham. Em 1915, quando a Europa estava em plena I Guerra Mundial, o pai foi para a guerra como voluntário, o que a levou a ir viver em Hove com a mãe e seus irmãos. Viveu em Hove até 1922, tendo regressado nesse mesmo ano a Creshman com a família. De 1922 a 1925, freqüentou o Liceu do Dr. Challoner, saindo em 1925 aos 16 anos com o certificado de educação geral, que lhe permitia progredir na carreira acadêmica.
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Desde muito cedo, mostrou ser uma pessoa com espírito rebelde e indômito, pouco ligada às velhas convenções. O seu comportamento, numa sociedade onde as mulheres deveriam permanecer em silêncio sobre estes assuntos, mostrava bem irreverência. Apesar de ter talento evidente, colocou de lado a faceta artística e ligou-se à vida política. A primeira influência política foi a de Reg Bartlett, que era um famoso membro de uniões sindicais e comunista, vindo a ser o seu primeiro marido. Assim, tal como o marido, Margareth juntou-se ao partido comunista britânico. Foi um membro muito ativo na política, uma vez que era boa oradora e mostrava uma grande paixão pelos ideais.
Os anos 30 revelaram ser uma época de inúmeras causas sociais e políticas, as quais fizeram com que ela se envolvesse mais profundamente na política e nos conflitos sociais. Desse modo, dedicou-se a causas como a luta contra a pobreza, a Guerra Civil espanhola e o movimento fascista em Inglaterra. A II Guerra Mundial, Margareth Mee alterou-lhe as convicções. Com a ajuda de inúmeros amigos, Margareth acabou por entrar em 1947 para a Escola de Arte de St. Martin, em Londres. Foi nessa escola que conheceu Greville Mee, que veio a ser o seu segundo marido.
Com o trabalho desenvolvido nessa escola, foi admitida na Escola de Arte de Camberwell (Londres), onde mais tarde se tornou professora. Durante a permanência nessa instituição, Margareth conheceu Victor Pasmore, um dos melhores pintores britânicos, e que teve uma grande influência sobre ela. Em 1952, Margareth com o intuito de cuidar de uma irmã doente partiu com o marido para a cidade de São Paulo no Brasil. O casal ficou tão entusiasmado com a cidade que decidiram lá viver.
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Nos primeiros tempos, Margareth começou a dar aulas na escola de arte de São Paulo, enquanto o seu marido se ocupava como comerciante de arte. Entre 1952 e 1956, Margareth Mee, devido à doença da irmã, permaneceu em São Paulo. Durante esse período, o fascínio pela exuberância da mata Atlântica (que na época cobria grande parte do estado, incluindo áreas que hoje fazem parte dos subúrbios urbanos) levou-a a pintar plantas e flores que encontrava em passeios locais. Não tardou a sentir-se atraída pelo extraordinário e vasto desafio que representava a Amazônia, mudando-se para Belém do Pará.
Nessa altura, começou a interessar-se pelas florestas tropicais, inspirando-se nas pesquisas de um famoso expedicionário Richard Spruce, cujos itinerários serviram de exemplo para as suas próprias expedições. Em 1956, fez a primeira viagem à floresta amazônica, algo que lhe marcaria a vida.
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Foi o despertar de uma paixão que a levaria a realizar quinze expedições à área, entre 1956 e 1988. Muitas das viagens foram feitas num pequeno barco, acompanhada apenas por guias da região, ocasionalmente por um ou dois amigos. Algumas das regiões visitadas foram o rio Negro, rio Vaupés e rio Amazonas. Durante essas viagens, desenhou, pintou e coletou muitas espécies de plantas tal como existem no seu habitat natural. No decorrer dessas viagens, descobriu novas espécies, tendo sido atribuído o seu nome a algumas delas como homenagem. Mee ainda fez registros de algumas espécies que a comunidade científica pensava extintas, uma vez que não eram vistas há décadas.
Na última expedição, em Maio de 1988, Mee realizou o sonho que tinha desde 1965, e que por muitas vezes tinha tentado concretizar: capturar em papel um evento que poucas pessoas tinham presenciado, o desabrochar da flor da lua, uma espécie rara de cactos, Selenicereus Witti (Cactaceae), cujas flores brancas abrem unicamente numa noite de lua cheia no ano.
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Uma declaração de Mee na altura foi "Enquanto me posicionava ali, com a orla escura da floresta ao meu redor, sentia-me enfeitiçada. Então a primeira pétala começou a mexer-se, depois outra e mais outra e a flor explodiu para a vida". Nada podia impossibilitar Margareth de registrar o que observava. As pinturas eram sempre feitas no campo, em contacto direto com a natureza. A artista apresentava uma grande irreverência em relação ao papel de mulher, pois fazia viagens à Amazônia sozinha e vivia com os índios na floresta durante essas estadias. Aí enfrentou inúmeras dificuldades, tais como o cansaço, surtos de malária e hepatite, cheias e outros acidentes. Essas dificuldades, e tantas outras como enxames de insetos, contacto com anacondas gigantes e ataques noturnos de morcegos, são outros exemplos das dificuldades que ultrapassou.
O seu trabalho, desde muito cedo, começou a atrair atenções e, em 1960 foi convidada pelo Dr. Lyman Smith, um especialista em bromélias, para participar no projeto "Flora Brasílica". Foi convidada com o intuito de fazer ilustrações na secção de bromélias. Durante os cinco anos do projeto, viajou por todo o país e depressa se tornou numa perita em plantas da família das Bromeliaceae. Veio mais tarde a descobrir novas espécies, três das quais receberam o seu nome. Anteriormente, mais precisamente entre 1952 e 1956, já Mee tinha aperfeiçoado o desenho de bromélias, tornando-se num dos seus temas preferidos ao longo da vida.
Ligada a este projeto, foi publicado um livro em 1969, escrito por Lyman B. Smith e com pinturas de Mee, intitulado The Bromeliads. Em 1968, foi morar para um subúrbio do Rio de Janeiro, seguindo a sugestão do paisagista e botânico Roberto Burle Marx, responsável por inúmeros jardins e parques públicos do Rio de Janeiro, nos quais utilizou plantas tropicais nativas. Burle Marx foi um dos amigos que a acompanhou nas expedições.
Normalmente, além da observação da natureza, tinham o objetivo de coletar espécies de plantas tropicais para os seus jardins. Dessa maneira, Margareth contribuiu muito para o enriquecimento dos Jardins do Rio de Janeiro, doando espécies de plantas recolhidas nessas viagens. No Rio de Janeiro, Margareth Mee trabalhou ainda com Guido Pabst, que era um perito em orquídeas, e contribuiu para a ilustração do seu livro sobre orquídeas brasileiras, Orquídeas Brasileiras, publicado em 1975.
Publicou ainda mais dois livros internacionais com as suas pinturas,Flores da Amazônia em 1980 e Em Busca de Flores na Floresta Amazônica, editado por Tony Morrison e publicado em 1988. Este último livro possuía as suas aquarelas, parte do seu diário e dos seus cadernos. No período de trinta anos em que esteve na Amazônia fez a observação do crescimento rápido da atividade humana, que causava a alteração dos ecossistemas.
Estes acontecimentos provocaram-lhe uma grande tristeza e foi-se apercebendo da importância do seu trabalho, pois algumas espécies que tinham sido pintadas anteriormente por ela poderiam já estar extintas. A artista apercebeu-se que para além de retratar as plantas lutava pela sua preservação.
Entre os anos 60 e 70, o Brasil estava sob governo militar, não havendo liberdade para defender a sua causa em público, no entanto esta fazia-o em privado. Assim, quando passou a existir liberdade de expressão, foi uma das primeiras pessoas a falar na devastação da floresta Amazônica. Nos últimos anos dedicou-se à preservação da Amazônia, e levava a mensagem até onde pudesse. Em 1988 viajou até a Inglaterra e aos Estados Unidos para chamar a atenção sobre a devastação crescente e sem sentido das florestas tropicais. Sobreviveu a todos os perigos da selva e acabou por morrer num acidente de carro em novembro desse mesmo ano. No inicio dos anos 80, Margareth Mee começou a estar convencida que com a destruição de vários ecossistemas na Amazônia, existiria a hipótese de alguns dos seus desenhos virem a representar plantas extintas. Esse fato fêz-la pensar no modo de preservar o seu trabalho. Mesmo assim, viu-se obrigada a vender algumas das pinturas a preços muito inferiores ao valor real. Deste modo, nos últimos anos, começou a guardar as melhores aquarelas de cada espécie numa coleção privada a que denominou "Coleção da Amazônia". A intenção era vender a coleção a uma instituição americana ou inglesa, onde os seus registros da flora amazônica pudessem ser bem guardados. Tomou essa atitude porque tinha intenções de que a sua coleção fosse mantida fora do Brasil, pois tinha tido experiências desagradáveis com o Instituto Botânico de São Paulo, e ainda por razões pessoais.
Assim em 1984/85 surgiu uma Instituição Americana interessada, no entanto as negociações terminaram no ano de 1986, devido à falta de acordo no preço. Após esta primeira tentativa falhada, continuou com a intenção de vender a sua coleção. Nesse momento, tinha a esperança que o Jardim Botânico Real, em Kew, Inglaterra, lhe comprasse a coleção. Essa vontade era motivada pelo conhecimento que tinha da instituição, adquirido através dos contactos que fez ao longo dos anos com botânicos dessa instituição. Por intermédio de amigos, conseguiu que chegasse ao conhecimento do diretor da Instituição a sua intenção de vender a coleção, esse, desde logo se mostrou interessado, uma vez que tinha conhecimento do valor cientifico da obra. Em Janeiro de 1988, começaram as negociações para a venda da obra. Nessa mesma altura, estava a trabalhar com Tony Morrison para a compilação do livro Em Busca das Flores da Amazônia. No entanto, as negociações chegaram a um impasse, porque apesar do afeto que tinha pela instituição, achava que o preço oferecido era inferior ao pretendido. As negociações continuaram, tendo chegado finalmente a um acordo a 28 de novembro. Ficou acordado o preço da venda, e as aquarelas ficaram à tutela da companhia Trust, que respeitaria determinadas condições, tais como o público teria acesso fácil à coleção e a vontade de que as pinturas nunca tornariam ao Brasil. Ficou também acordada a criação de bolsas de estudo para novos artistas e biólogos para continuar a estudar a Amazônia.
Fatidicamente, Margareth Mee morreu dois dias depois sem nunca chegar a ver os frutos finais do seu trabalho: tanto o livro Em Busca das Flores da Floresta Amazônia como uma exposição. Em 1989 foi criada a Fundação Botânica Margareth Mee, com o objetivo de apoiar a novos artistas e biólogos.
Poucas mulheres conseguiram desenvolver o duplo papel de artista e de ativista em prol da natureza. No trabalho, tinha a preocupação acadêmica e cientifica, no entanto, a faceta artística esteve sempre presente, talvez por isso, seja classificada entre os ilustradores científicos mais prestigiados que percorreram o Brasil desde o século XVII. Através das suas pinturas, deu-nos acesso a um guia vasto e completo de espécies raras, muitas atualmente extintas. Retratava a natureza como um todo e não como espécies individuais, dando a percepção de uma paixão pela Amazônia e a sua preocupação pelo seu futuro. Margareth Mee era uma das poucas pessoas que, apesar da sua avançada idade ainda tinha muitos sonhos por realizar. "Sei que a minha morte não significará o fim do meu trabalho. Onde quer que esteja, tentarei influenciar aqueles que estão a destruir o planeta para que dêem à natureza uma hipótese de sobreviver."
Rômulo Cavalcanti Braga é paisagista e fornecedor de sementes de plantas raras e exóticas contato: romulocbraga@uol.com.br
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